Desafios nos custos da matéria-prima pressionam margens na indústria de papel tissue
Em entrevista ao Portal Tissue Online, especialistas mapeiam os desafios em relação à volatilidade da celulose e indicam as estratégias para equilibrar os custos de produção e a saúde dos negócios

Responsável por parte significativa dos custos de produção da indústria de papel tissue, a matéria-prima representa uma preocupação constante para os fabricantes, pesando na balança das margens e impactando a saúde dos negócios. Esse desafio constante é, principalmente, decorrente da volatilidade dos preços das fibras – tanto de celulose quanto de aparas.
De acordo com Rafael Barisauskas, Economista Sênior da Fastmarkets para América Latina e professor de Economia na FECAP, outro fator que afeta a indústria de tissue é garantir o fluxo de fornecimento adequado diante de flutuações de mercado, “sobretudo em meio às crescentes exportações brasileiras de celulose e gargalos no fornecimento de aparas no mercado interno”.
Conforme Stephanie Hsia, Especialista para Tissue da Fastmarkets, embora a disponibilidade de matéria-prima não seja uma questão para o mercado latino-americano, ainda existem outros custos relevantes que impactam o setor, como químicos e energia. “Enquanto esses custos não reduzirem e a concorrência continuar apertada no mercado de tissue, muitos players terão dificuldades de manter as margens de seus negócios saudáveis”, comenta a especialista.
Para 2025, o mercado de celulose não possui novas capacidades entrando em operação, estabilizando os preços em níveis mais baixos. Esse cenário deve aumentar a probabilidade de novos aumentos nos preços da celulose virgem, segundo Gabriel Fernandez, analista independente do setor.
Na visão de Luciano Barboza, CEO da produtora de papel tissue IPEL, a variação de preço da commodity neste ano deve ser menos agressiva do que no anterior, “pois existe uma oferta maior devido a novas plantas entrando completamente em operação, bem como a situação econômica de consumo na China”. No entanto, o executivo observa a variação cambial como um fator de atenção, pois “não há sinais de estabilidade à frente”.
VANTAGENS COMPETITIVAS DOS PLAYERS INTEGRADOS
Nesse contexto, tendo em vista a alta competitividade do setor, os produtores integrados possuem algumas vantagens, ao reduzirem sua exposição à volatilidade e às incertezas no fornecimento de insumos, conforme Rafael Barisauskas. “Dessa forma, possuem maior controle sobre sua operação, podendo direcionar seus esforços na comercialização dos insumos, seja no mercado interno ou externo, ou de produtos de papel acabados, dependendo daquilo que estiver mais atrativo e vantajoso dentro das suas necessidades financeiras e empresariais”, observa o economista.
Já na visão de Gabriel Fernandez, apesar de apresentarem oportunidades e desafios diferentes dos não integrados, esses players possuem uma capacidade de produção de celulose substancialmente maior do que a de papel tissue, logo, “o negócio de celulose continuará sendo seu principal foco”.

“O simples fato de serem integrados não lhes proporcionará uma vantagem competitiva, mas, sem dúvida, representam uma ameaça para os produtores de tissue não integrados, especialmente se o fornecedor de celulose deles se tornar seu concorrente”, afirma Gabriel. O analista ainda ressalta que o contexto de competitividade no mercado de tissue abrange o componente de marca e produto, o que nem todos os fabricantes integrados possuem, bem como um sistema de distribuição forte.
Como fabricante não integrado, a IPEL enxerga que seus pares integrados possuem uma vantagem relevante. “Sabemos que o custo de produção de celulose no Brasil é um dos mais baixos do mundo, portanto, já é uma vantagem. Mas, além disso, os integrados têm custos de produção de papel tissue menores do que os não integrados, pois são geradores de energia elétrica, geradores de vapor, não precisam secar a celulose para o transporte e não têm o custo de transporte desta celulose”, declara Luciano Barboza. “Estes ganhos em custos representam muitas vezes a margem dos não integrados, o que torna a disputa de mercado totalmente desequilibrada”, acrescenta.
USO DE FIBRA LONGA E FIBRA RECICLADA
Apesar da fibra virgem de eucalipto (curta) representar a maior parte da matéria-prima no setor, a fibra longa virgem e a fibra reciclada também apresentam desafios próprios dentro do segmento de tissue.
No caso da fibra longa, o panorama é desafiador em razão da migração para fibra curta como foco principal no mercado global. “Os produtores de tissue que utilizam celulose de fibra longa em sua mistura deverão trabalhar muito próximos aos seus fornecedores para garantir o abastecimento nos próximos meses e anos, já que essa é uma matéria-prima que está se tornando uma especialidade”, aponta Gabriel Fernandez.
A fibra reciclada, por sua vez, enfrenta uma questão cultural no Brasil, como aponta o CEO da IPEL. “Enquanto na Europa e alguns países da América Latina temos o papel reciclado como um atributo de valor, no Brasil, a exigência do papel branco atrapalha o olhar da sustentabilidade”, indica o executivo. Barboza completa, ainda, que este panorama deve mudar no futuro, mas para isso é preciso que o setor trabalhe na comunicação relacionada ao uso desse material.
Stephanie Hsia observa que a depender da disponibilidade e preço da fibra reciclada, ela pode se tornar um complemento mais presente no furnish de produtos de tissue. “Especificamente no mercado brasileiro, a preferência por produtos com fibras recicladas não é forte, mesmo no setor away-from-home. Em outras regiões do mundo, inclusive outros países da América Latina, as opções de produtos com fibras recicladas apresentam maior diferença de preço, atrelada à qualidade do produto (tanto superior quanto inferior aos 100% fibra virgem), mas que impactam a decisão do consumidor final, seja na busca por um produto mais sustentável ou mais barato”, explica a especialista.
Mas a sustentabilidade não é o único fator de peso na decisão de compra dos consumidores. “O claim de sustentabilidade e o menor preço das fibras recicladas são, sem dúvida, seus maiores atributos, mas o desempenho do produto final também é importante”, analisa Fernandez.

“Houve certas mudanças no comportamento social nos últimos anos, especialmente após a Covid. O fato de menos papel ser utilizado em escritórios e da população ter se dispersado para fora das grandes cidades faz com que a disponibilidade e a qualidade das fibras recicladas sejam um desafio. A demanda por papel tissue está crescendo, e isso impulsionará o aumento da demanda tanto por fibras recicladas quanto por celulose virgem”, complementa o executivo.
Vale ressaltar que, apesar do uso de produtos reciclados ter um forte viés de sustentabilidade, as fibras virgens também estão alinhadas às práticas sustentáveis, já que as florestas plantadas e o manejo sustentável empregado nelas pelas produtoras de celulose garantem uma produção amiga do meio ambiente, sendo complementar ao uso das fibras recicladas em uma cadeia circular.
“Os dois mercados coexistem e se complementam, e quando há um gargalo de oferta em um o outro é usado como fonte alternativa de insumos”, explica Rafael Barisaukas. “A busca por sustentabilidade e produtos relacionados à reciclagem deve estimular a demanda pelo uso de fibra reciclada, mas não porque a fibra reciclada é mais sustentável do que a fibra virgem”, acrescenta o economista.
MITIGAÇÃO DE CUSTOS
Diante desse contexto, é de suma importância que as empresas desenhem estratégias para enfrentar os desafios que o setor apresenta e reduzir custos, garantindo a perpetuidade dos negócios.
De acordo com Barisauskas, as estratégias variam a depender do nível de integração do produtor. “No caso de produtores não integrados, o estabelecimento de contratos fixos de fornecimento com quotas de volumes anuais pode ajudar a garantir um fluxo constante de insumos dentro do ano, mas pode ser uma opção mais cara do que estratégias de compras da mão para boca, em que o consumo de insumos varia de acordo com a necessidade para produção” avalia o economista.
“Por outro lado, estratégias de compra pontuais podem evitar o carregamento de custos com estoques caros, mas podem acarretar preços mais voláteis a, muitas vezes, indisponibilidade de insumos no curto prazo”, completa Rafael. Ele indica que o uso de contratos vinculados a índices de preços, como os da Fastmarkets, ajuda justamente compradores e vendedores a garantir menos volatilidade e mais transparência nas negociações, uma vez que os preços são referenciados por fontes independentes e acreditadas.
Na visão de Fernandez, os principais fatores para lidar com este panorama são investir em tecnologia, desenvolver novos produtos, desenvolver fornecedores estratégicos de médio e longo prazo, e manter-se informado sobre o que acontece em outros mercados ou regiões – para compreender as tendências, mas também para antecipar potenciais oportunidades de exportação e/ou mitigar riscos de competir com importações.
“Conseguir certa flexibilidade, tanto nas matérias-primas a serem utilizadas quanto no produto final a ser vendido, permitirá que os produtores de papel tissue tenham maior capacidade de adaptação a potenciais novos cenários, incluindo mitigação de custos”, adiciona Gabriel.
Conforme Luciano Barboza, a mitigação de custos já acontece há muito tempo e de várias formas. No caso da IPEL, a principal estratégia é o uso de fibras alternativas, aliada a uma busca incansável por produtividade, aproveitamento máximo de produção nas plantas e diluição de custos, bem como times gerenciando constantemente os custos de fabricação. “’‘O Brasil não é para amadores’ é uma frase popular que tem sido reforçada nos últimos anos. Para nós, 2024 foi uma prova disto”, comenta o CEO.
O EQUILÍBRO DAS MARGENS
Na disputa constante deste mercado apertado, os fabricantes devem estar atentos às oportunidades que permitem a continuidade e o crescimento de seus negócios. “A gestão de margens é um equilíbrio entre os custos de produção, mix de produtos vendidos e gestão de clientes”, ressalta Luciano Barboza.
“Creio que a Inteligência Artificial pode vir a ser um diferencial competitivo em diversos setores da empresa e pode ajudar a ter uma gestão mais eficiente, tanto na produção quanto na gestão administrativa”, reflete. “Quando falamos de mix de produto, uma boa leitura de mercado, de forma a garantir que você tenha sempre o produto que o cliente procura e na qualidade que ele precisa, é fundamental para gerir o resultado. Ao mesmo tempo, uma gestão eficiente dos clientes, oferecendo um nível de serviço diferenciado, é vital. O desafio de qualquer organização é fazer tudo isso funcionar em sintonia”, conclui o CEO da IPEL
Para Barisauskas, o bom relacionamento e posicionamento junto a distribuidores (atacadistas) e varejistas é um ponto de atenção para a indústria de tissue, uma vez que as margens são apertadas. “Bons contratos de fornecimento e distribuição podem ajudar garantir um fluxo constante de vendas ao longo do ano. Por isso, a atenção ao comportamento do consumidor nas diferentes classes de renda e regiões do Brasil é chave para o estabelecimento dessa relação com a ponta final do mercado”, finaliza o economista.
Fernandez, por sua vez, indica que a diferença entre o timing dos acordos de vendas (muitas vezes trimestrais) e de compras (mensais ou até mesmo por pedido de compra), assim como seus respectivos prazos de pagamento, representa uma ameaça, embora às vezes possa ser uma grande oportunidade. “Conseguir controlar essa arbitragem é uma oportunidade”, diz.
“Os produtores de papel tissue compram uma commodity, transformam-na, e vendem um produto com atributos particulares que o tornam diferenciado. As dinâmicas de mercado da matéria-prima e do produto final são diferentes. Administrar essa diferença de forma correta é a maior oportunidade que um produtor de papel tissue tem para ter um negócio economicamente sustentável a longo prazo”, declara o analista.
E conclui: “O consumo de tissue está crescendo, o que é positivo, mas o desafio aqui é o potencial ingresso de novos concorrentes e o aumento de capacidade de outros, gerando um ambiente de maior competição. A inovação em produtos será essencial para enfrentar esse desafio”.