Em Mato Grosso do Sul, novas fábricas de celulose latino-americanas participam de uma verdadeira corrida por eucalipto. O estado está se consolidando como um dos principais polos do setor de base florestal no Brasil, mas outras atividades do agronegócio além da celulose, como produção de etanol de milho, cultivo de soja e pecuária, também entraram na disputa por terras e madeira – o que alerta para o risco de um “apagão” da matéria-prima nos próximos anos.
No caso da celulose, as duas fabricantes que já atuam no estado pretendem expandir as atividades: a Suzano S.A. deve anunciar, em breve, uma nova unidade, em Ribas do Rio Pardo, com capacidade de produção de 2,2 milhões a 2,5 milhões de toneladas anuais; enquanto a Eldorado quer acrescentar mais uma linha à fábrica de Três Lagoas, após encerrar o conflito entre as sócias J&F Investimentos e Paper Excellence (PE).
Para isso, elas precisam de madeira para suprir as operações já existentes, além de volumes extras para os projetos de ampliação. O problema é que ao menos outras três produtoras têm monitorado a oferta da matéria-prima no MS com o intuito de abastecer fábricas em outros estados e até no exterior.
Segundo o Valor Econômico, a Bracell, a Klabin e a Paracel, que vai instalar uma fábrica de celulose no Paraguai, estão circulando algumas regiões do estado, que é o segundo maior em cultivo de florestas de eucalipto no Brasil. Fontes da indústria afirmam que a Paracel instalou um escritório em Campo Grande com essa finalidade.
No MS, praticamente só há plantações de eucalipto, que leva de seis a sete anos para ser colhido. Justamente para se antecipar aos novos investimentos em operações que usam madeira como matéria-prima ou para geração de energia na região, diversos produtores independentes vêm investindo, há alguns anos, no cultivo da espécie.
No entanto, os projetos não foram executados com a velocidade desejada e, de acordo com o secretário estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar do MS, Jaime Verruck, há dois anos, havia sobra superior a 250 mil hectares de eucalipto.
Agora, a situação começa a mudar e a maior procura por terras e madeira se reflete em preços mais altos. Uma fonte da indústria afirma ter havido um movimento especulativo no estado, especialmente no segundo semestre de 2020, inclusive devido à queda dos juros no país, que tornou o investimento imobiliário mais atraente.
A pecuária é uma das atividades que mais tem acirrado a competição por terras. Segundo o sócio-diretor do Grupo Index e da Forest2Market do Brasil, Marcelo Schmid, a valorização recente do boi gordo tem levado à migração de áreas antes dedicadas ao plantio de eucalipto. Ele acrescenta que, com a pecuária em alta, os programas de fomento tradicionais da indústria de celulose deixam de ser atraentes.
Na visão do engenheiro florestal, a oferta de madeira já está apertada no MS e há risco de falta do insumo nos próximos anos. “Nos últimos anos, a demanda industrial não acompanhou a oferta de madeira. Então, hoje há sobra, mas modesta. Com as novas fábricas, haverá déficit”, comenta.
O especialista estima que a demanda de madeira esteja em 18 milhões de toneladas por ano no estado – dentre elas, 17 milhões de toneladas são destinadas à produção de celulose. O consumo anual subirá para 35 milhões de toneladas com as fábricas de Ribas do Rio Pardo, do Paraguai e a provável expansão da Eldorado.
A Bracell está ampliando a fábrica da antiga Lwarcel no interior de São Paulo e, para isso, precisa aumentar sua base florestal. Diante da necessidade de madeira, é compreensível que a empresa olhe também para MS, apontam fontes da indústria. A Klabin, por sua vez, vem expandindo as operações no Paraná e tem garantido madeira em diversas regiões, mas o MS estaria muito distante para abastecer a unidade Puma, na análise dessas fontes. Procurada, a companhia não se manifestou.
Somente a Suzano, para o Projeto Jubarte, demandaria 210 mil hectares cultivados extras para fomentar a fábrica em Ribas. A gigante de celulose já teria pelo menos 110 mil hectares garantidos e é a mais avançada quanto às necessidades de madeira, dizem duas fontes. A empresa também não comentou o assunto.
No ano de 2019, havia 1,125 milhão de hectares de área plantada de eucalipto em terras sul-mato-grossenses. Atualmente, conforme o secretário Jaime Verruck, esse número já chega a 1,4 milhão de hectares e a oferta de madeira pode ficar “justa” nos próximos anos. No entanto, ele descarta risco de escassez. “Queremos que o eucalipto seja industrializado no estado. Estamos trabalhando para garantir que não falte produto e, com os preços atuais, houve retorno do plantio”, declara.
No estado, o cultivo do eucalipto se concentra na costa Leste, numa área que abrange 7 milhões de hectares de cerrado e é propícia à cultura, já que o relevo facilita a mecanização e o tamanho médio das propriedades é adequado. Na década de 70, os primeiros produtores foram atraídos por benefícios fiscais.
A base florestal representa, hoje, 7% do PIB (Produto Interno Bruto) estadual e uma receita bruta de R$ 12 bilhões em 2019, levando-se em conta florestas plantadas, móveis e produção de celulose, indicam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Mato Grosso do Sul é o maior exportador brasileiro de celulose, com aproximadamente US$ 1,6 bilhão em 2020 ou 27% do total nacional. Porém, a ambição é desenvolver a cadeia de base florestal para além da fibra – a Greenplac já produz painéis de madeira em Água Clara, a International Paper (IP) faz papéis para imprimir e escrever em Três Lagoas e o grupo Anin Papéis já atua no estado, dentre outros empreendimentos.
O advogado Aldo De Cresci Neto, que é assessor especial no setor de florestas plantadas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), acredita que os investimentos no agronegócio em MS, e de forma geral em todo o território brasileiro, devem se acelerar com a aprovação dos projetos de lei que instituem os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) e regulamentam o aporte estrangeiro em terras no país. “O câmbio favorável, o ciclo de alta dos preços da celulose e a aprovação desses projetos impulsionarão o investimento no agronegócio brasileiro nos próximos anos”, conclui.