Com dívida bilionária, rede de supermercados Dia pede recuperação judicial
Plano envolve demissões, fechamentos de unidades e de centros de distribuição para cortar custos
Nesta quinta-feira, 21, a rede de supermercados Dia anunciou que sua operação brasileira entrou com um pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por conta de uma dívida de R$ 1,1 bilhão. Do total, R$ 268 milhões são passivos com bancos, sendo os fornecedores os principais credores do grupo.
Proveniente da sigla Distribuidora Internacional de Alimentación, o Dia é controlado por um grupo espanhol com vendas anuais de cerca de 7 bilhões de euros (R$ 36 bilhões) no mundo. O fundo Letterone possui cerca de 77% da rede. Esta crise já perdura há anos e a dificuldade de renegociar as dívidas aumentou o risco do pedido de falência pelos credores, o que forçou a busca por proteção judicial.
Em entrevista ao Valor Econômico, Sébastien Durchon, novo CEO da companhia no Brasil – foram quatro em cerca de cinco anos – afirmou que uma forte queda nas vendas, especialmente após 2022, somada a um cenário de pressão das taxas de juros sobre os passivos têm feito a rede consumir cerca de R$ 1 milhão de caixa diariamente. A companhia chegou a analisar outras soluções, mas não avançou com nenhuma delas.
“É insustentável, não temos outra saída, a não ser a proteção judicial. Precisamos de tempo para reconstruir a companhia, para voltar a crescer”, declarou Durchon, que está há três semanas no cargo e foi contratado para liderar esse processo. “Eu não entrei aqui para fechar a empresa. Daremos dois passos atrás para dar dois passos lá na frente quando sairmos disso. Não é uma atitude fácil, mas temos que fazer um ajuste mais corajoso, que já começou com o anúncio fechamento de parte das lojas dias atrás”.
DEMISSÕES E ESTRUTURA MENOR
Na semana passada, o Dia anunciou o fechamento de 343 lojas de 587 unidades que possui no Brasil – restando apenas 244. Com isso, o supermercado passa a operar apenas em São Paulo, embora possa realizar fechamentos pontuais na região, se necessário. Além disso, possui quatro centros de distribuição, sendo três deles fechados – em Belo Horizonte, Americana (SP), Mauá (SP) – e permanecendo apenas o de Osasco (SP).
Atualmente, a rede tem 5,5 mil funcionários diretos no país, mantem apenas 2 mil colaboradores após a reestruturação, além de outros 2 mil funcionários indiretos.
Dessa forma, algumas ações foram iniciadas, como corte de despesas, entrada de recursos com liquidações de produtos – que devem durar cinco semanas – nas unidades que serão encerradas. O Dia ainda prevê um maior fortalecimento de marca própria nas lojas, que ainda corresponde por 20% das vendas.
Na documentação ao TJSP, a empresa justificou a necessidade de proteção judicial citando ainda a forte crise que afetou o varejo após a pandemia, além da escalada da Selic. Apesar da participação do grupo espanhol, as dívidas da empresa são locais, sendo o Santander o principal banco credor, além do Daycoval e o Banco do Brasil. Os balanços do grupo indicam dificuldades há cerca de cinco a seis anos até o momento.
PASSADO DE CRESCIMENTO ACELERADO
No passado, o Dia era chamado de “supermercado de descontos”, com recordes e crescimento acelerado em um modelo de eficiência operacional traduzido em preços baixos. Mas esse conceito ficou no passado.
Em 2019, com recuo de 14% nas vendas, foi descoberta pela matriz fraudes contábeis que envolviam estoque e bonificações da indústria. Já em 2020, a receita teve um singelo crescimento de 4,5%, com a maior demanda por alimentos na pandemia, mas nos anos seguintes voltou a registrar queda.
De acordo com o CEO, nos últimos 18 meses a situação se deteriorou de modo mais acelerado – nesse período a companhia perdeu 25% da receita, afetada pela queda no volume vendido. Outro desafio é a competição com canais como o atacarejo, que possui forte apelo promocional. No ano passado, a venda líquida no país foi de R$ 730 milhões, recuo de 18%.
REUNIÕES COM O CEO
Diante desse cenário, nos últimos dias, Durchon tem se reunido com fornecedores, franqueados, funcionários e bancos, na busca de apoio para uma reestruturação, pois a rede precisa do apoio de fornecedores para manter o abastecimento das lojas nesse processo – ponto essencial até aprovação do plano de recuperação. Vale destacar que após os encerramentos, 50% das lojas serão franquias.
Ao menos 120 fornecedores da rede, de um total de 600, foram comunicados sobre a situação atual da empresa nos últimos dias. Na próxima semana, fabricantes devem se reunir com o CEO, que já realizou reuniões com franqueados.
Sébastien Durchon foi diretor financeiro do Carrefour entra 2014 e 2021, e esteve à frente da rede na abertura de capital no Brasil em 2017, bem como na integração do Big, em 2022. Apesar da experiência, é a primeira vez que preside uma varejista, e num momento dificílimo. Assim, para reforçar a equipe, contratou Mario Toledo (ex-Big) e Dacio Moraes (ex-Carrefour), ambos executivos do Dia no passado, para a linha de frente.
OUTRAS ALTERNATIVAS
Durchon não comentou se outras soluções foram consideradas, mas, segundo o Valor Econômico, após sondagens da empresa no mercado, fundos de investimento chegaram a fazer propostas para comprar a rede neste ano. Contudo, a alternativa não agradava os acionistas. A hipótese de venda de ativos da rede é pequena, porque não há muito o que vender.
Considerando os colaboradores, a empresa decidiu não dispensar os empregados das unidades fechadas até entrar com a recuperação judicial – para que não se tornassem credores na Justiça. Ao excluí-los do processo, a dívida entra como não concursal, e, logo, tem prioridade no pagamento.
Nesse contexto, o foco atual do Dia é ter o pedido de recuperação homologado pela Justiça e, então, montar o plano de recuperação em 60 dias, prazo definido por lei.