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OS DILEMAS DO PRIMEIRO EUCALIPTO TRANSGÊNICO DO MUNDO

CRIADO PELA FUTURAGENE, DA SUZANO, ELE PROMETE SER ATÉ 20% MAIS PRODUTIVO DO QUE AS ESPÉCIES CONVENCIONAIS. MAS, AGORA, A EMPRESA TEM DE PROVAR AO MUNDO QUE A ÁRVORE NÃO É NENHUM FRANKENSTEIN

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As florestas plantadas, cuja madeira tem uso comercial, espalham-se por 7,6 milhões de hectares do território brasileiro. É muita coisa. Unidas em uma só gleba, elas abraçariam quase metade do Acre. Existe, contudo, um pedacinho dessa vasta crosta verde que atrai a atenção do mundo. São ínfimos 2 hectares (ou 0,000026% do total), encravados no município de Angatuba, a pouco mais de 200 quilômetros da capital paulista. Ali, crescem 120 exemplares do H421*– o eucalipto transgênico, criado pela FuturaGene, uma empresa de tecnologia da Suzano, a segunda maior produtora de celulose do planeta. O nome dado à planta é um tanto hermético, mas pode chamá-la de eucaliptão. (*É uma inovação mundial. Trata-se do primeiro produto transgênico que altera diretamente a produtividade de uma planta)

EUGÊNIO ULIAN, DA FUTURAGENE, À FRENTE DE EXEMPLARES TRANSGÊNICOS: “AS PRÓXIMAS GERAÇÕES TENDEM A SER AINDA MAIS PRODUTIVAS” (FOTO: CLAUS LEHMANN)
EUGÊNIO ULIAN, DA FUTURAGENE, À FRENTE DE EXEMPLARES TRANSGÊNICOS: “AS PRÓXIMAS GERAÇÕES TENDEM A SER AINDA MAIS PRODUTIVAS” (FOTO: CLAUS LEHMANN)

Na verdade, o H421, a olho nu, nem faz jus ao superlativo. Não é mais bombado do que os eucaliptos convencionais. Tem, porém, propriedades que soam efusivas, se comparadas à média da espécie. O eucaliptão é, por exemplo, entre 15% e 20% mais produtivo do que as outras variedades. Uma vantagem percentual dessa magnitude, conquistada em uma só geração de mudas, é mais do que expressiva. Hoje, sem a transgenia, o ganho de produtividade dessas árvores dá passos seguros, mas lentos, em um ritmo de 0,8% ao ano. Ou seja, o H421 avançou, em um só arranque, a distância que os seus pares levariam mais de duas décadas para percorrer. A versão transgênica também cresce mais rápido. Atinge o ponto de corte em cinco anos e meio. O normal? Sete anos.

Essas vantagens agrícolas têm implicações estratégicas. Isso porque, ao dar tamanho salto de produtividade, a indústria de papel e celulose enche a mão com coringas. Pode optar, por exemplo, em reduzir o tamanho das florestas, derrubando custos, sem diminuir o volume produzido. Tem a alternativa ainda de concentrar as áreas de plantio nas imediações das fábricas, abrindo mão das mais distantes, o que acarretaria ganhos consideráveis em logística. “O eucalipto transgênico, com esse avanço de rendimento, permite que repensemos a indústria”, diz Eugênio Ulian, vice-presidente de Assuntos Regulatórios da FuturaGene. “Ele aumenta a margem de manobra do setor.”

O debate esquentou
O gene introduzido no DNA do eucalipto da Suzano, além de ser o embrião de uma reviravolta, representa, ainda, uma inovação mundial sem equivalentes. Trata-se da primeira planta cuja alteração resulta, diretamente, em aumento de produtividade. Até agora, as variedades vegetais transgênicas bem-sucedidas no mercado, como a soja ou o milho, focavam em mudanças mais simples, com um número menor de variantes genéticas envolvidas, relacionadas à resistência a herbicidas ou a pragas, por exemplo.

Embora esteja tecnicamente pronto para entrar em produção, o H421 ainda não pode ser usado comercialmente pela Suzano. Para isso, a empresa precisa do sinal verde da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A companhia encaminhou, no início deste ano, um pedido de liberação do produto para o órgão. No mês passado, a entidade promoveu uma audiência pública para debater o assunto. Agora, o processo será analisado em quatro subcomissões da CTNBio (saúde humana, animal, vegetal e ambiental). Somente depois disso, a proposta será avaliada em definitivo pelo plenário da instituição. Quando isso vai acontecer? Ninguém sabe. Mas, desde a audiência, as discussões em torno do eucaliptão esquentaram. E muito.

E as abelhinhas?
Não poderia ser diferente. A transgenia, nem de longe, é um tema alheio a turbulências. Como se sabe, os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) representam a materialização vegetal do mito de Frankenstein. Por isso, mobilizam toda a sorte de inimigos e temores. Grupos de apicultores brasileiros, por exemplo, estão montando barricadas contra a introdução dos eucaliptos transgênicos no Brasil. As entidades do setor estimam que até 30% do mel nacional tem como origem o néctar das flores dessas árvores. O país produz 50 mil toneladas de mel por ano, sendo que 20 mil toneladas são exportadas. Do total que segue para o exterior, 80% é certificado como orgânico. “Acreditamos que, com a transgenia, perderíamos essa classificação e boa parte do nosso mercado”, afirma Joelma Lambertucci de Brito, secretária executiva da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel). “Os europeus, por exemplo, não aceitariam o nosso produto.” A entidade, formalmente, defende estudos de longo prazo para uma avaliação criteriosa dos eventuais efeitos do H421. Na prática, porém, quer empurrá-lo para que seja plantado na Terra do Nunca.

A PRODUÇÃO DOS CLONES DO EUCALIPTO COM O DNA ALTERADO É MANUAL. OS TÉCNICOS CORTAM PEDACINHOS DE FOLHAS, QUE SERÃO PLANTADAS (FOTO: CLAUS LEHMANN)
A PRODUÇÃO DOS CLONES DO EUCALIPTO COM O DNA ALTERADO É MANUAL. OS TÉCNICOS CORTAM PEDACINHOS DE FOLHAS, QUE SERÃO PLANTADAS (FOTO: CLAUS LEHMANN)

O pior é o selo
Na indústria de papel e celulose, há quem considere precipitada a tentativa de adoção de um produto transgênico para uso comercial pela Suzano. Nesse caso, a barreira apontada por executivos do setor responde pelo nome de certificação. A quase totalidade dos grandes compradores globais de papel e celulose exige que as indústrias do segmento ostentem os selos verdes, como o concedido pelo Forest Stewardship Council (FSC), a poderosa ONG internacional, cujo certificado é um pré-requisito para a entrada de produtos de origem florestal em países desenvolvidos, sobretudo na Europa.

O FSC, com sede em Bonn, na Alemanha, é formado por empresas e ONGs das mais variadas origens (Greenpeace, WWF e Conservação Internacional, por exemplo), além de representantes de povos indígenas e quilombolas. É uma mega e sortida assembleia global. Daí, em grande parte, o peso da sua certificação. Criada em 1993, jamais admitiu a presença de transgênicos em florestas para uso comercial. Qualquer genezinho mais estranho em uma árvore resulta em cartão vermelho para o produtor. E sem perdão.

MUDAS DO H421, EM LABORATÓRIO, NO INTERIOR PAULISTA: A FUTURAGENE INICIOU A PESQUISA DO EUCALIPTO TRANSGÊNICO EM 2001 (FOTO: CLAUS LEHMANN)
MUDAS DO H421, EM LABORATÓRIO, NO INTERIOR PAULISTA: A FUTURAGENE INICIOU A PESQUISA DO EUCALIPTO TRANSGÊNICO EM 2001 (FOTO: CLAUS LEHMANN)

Um tema espinhoso
Ocorre que “jamais” também tem um limite. A cada três anos o FSC promove uma assembleia-geral. A última delas ocorreu em Sevilha, na Espanha, no mês passado. O tema dos OGMs nas florestas plantadas voltou à baila. Nada de prático foi acertado, mas o diretor-geral da entidade, Kim Carstensen, reconheceu que os organismos geneticamente modificados representam um caminho sem volta para o setor. O evento reservou ainda uma sessão de debates sobre as árvores transgênicas. Uma discussão desse tipo nunca havia ocorrido, mas ainda não existem sinais de entendimento entre as partes no horizonte. “Esse é o assunto mais complicado e difícil para ser resolvido na história da FSC”, diz Mauricio Voivodic, secretário executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a maior certificadora do FSC no Brasil. “Ele é cheio de tabus e dogmas que precisam de muitos debates e articulações para serem superados.”

Não é impossível, ainda assim, que o FSC revise o paradigma dos transgênicos. Quando a proibição foi baixada, no início dos anos 90, os OGMs eram tão esquisitos e suspeitos como os zumbis, nos primeiros episódios do seriado The Walking Dead. Hoje, estão por toda parte. Os dados globais sobre a transgenia na agricultura são compilados e divulgados anualmente pela ISAAA (International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications). O último relatório da organização indica que as culturas biotecnológicas somaram 175 milhões de hectares em 2013. Aumentaram em 5 milhões de hectares em relação a 2012. O Brasil tem a segunda maior lavoura transgênica do planeta (só fica atrás dos Estados Unidos). É, ainda, o país onde esses os OGMs mais crescem.

Em tese, as regras fixadas pelo FSC não serão alteradas até a próxima assembleia da entidade, marcada para daqui a três anos. Existe a possibilidade de uma decisão surgir antes disso, mas é remota. Se a espera pode ser tão longa, por que tentar produzir comercialmente um transgênico agora? “Nós estudamos o produto há bastante tempo e acreditamos que é seguro. Ele não apresenta um impacto maior do que o eucalipto convencional”, afirma Ulian, o vice-presidente de Assuntos Regulatórios da FuturaGene. “Além do mais, a rampa de adoção do nosso transgênico será bastante lenta. Planejamos ter apenas entre 2% e 3% das florestas de eucalipto ocupadas com o H421 em três anos. Haverá tempo para que todos os problemas sejam resolvidos.”

O engenho humano
A FuturaGene foi criada em 1993, dentro da Universidade Hebraica de Jerusalém. Ela mantém centros de pesquisa no Brasil, na China e em Israel. Desde 2001, desenvolve o eucalipto geneticamente modificado. Começou a monitorá-lo no campo em 2006. Quatro anos depois, a empresa foi comprada pela Suzano, com a qual já desenvolvia parcerias. A criação do H421 é o resultado de uma dessas peripécias do engenho humano, em que o estoque de conhecimento avoluma e avoluma, ainda que lentamente, até desembocar em uma inovação.

No fim da década de 70, os cientistas observaram um comportamento peculiar em um microrganismo. A agrobactéria, como passou a ser chamada, atacava variedades vegetais. Elas, invariavelmente, adquiriam uma doença, uma espécie de tumor. Nesse processo, o bichinho transferia alguns dos seus genes para o genoma da planta atacada. Fazia uma espécie de transmissão de DNA. A partir daí, os pesquisadores iniciaram uma longa – e microscópica – batalha. O objetivo da briga era fazer com que a bactéria transferisse para os seus alvos um material genético que alterasse positivamente as características naturais da planta. Assim, elas poderiam ser mais fortes, resistentes, produtivas… Deu certo. É lógico que, dito assim, em 657 caracteres (com espaço), parece simples, mas essa luta científica perdurou por décadas.

MUDAS DISPOSTAS NO VIVEIRO USADO PARA A PESQUISA EM SÃO PAULO. OS TESTES TAMBÉM OCORRERAM NA BAHIA E NO PIAUÍ (FOTO: CLAUS LEHMANN)
MUDAS DISPOSTAS NO VIVEIRO USADO PARA A PESQUISA EM SÃO PAULO. OS TESTES TAMBÉM OCORRERAM NA BAHIA E NO PIAUÍ (FOTO: CLAUS LEHMANN)

Concorrência acirrada entre os OGMs
A FuturaGene largou na frente com o H421, mas não é a única empresa a lidar com eucaliptos transgênicos no mercado. Longe disso. No mundo, os destaques entre as concorrentes no ramo da biotecnologia são empresas como a ArboGen, que desenvolveu nos Estados Unidos uma variedade geneticamente modificada resistente ao frio, e a sueca SweTree Technologies. No Brasil, estudos de campo com árvores desse tipo são realizados desde 1999. Hoje, entre os produtos que estão em processo de avaliação, todos em áreas experimentais, há variedades que testam a redução do teor de lignina na árvore. Esse é um componente que interfere na rigidez da madeira. A sua redução facilita a produção de polpa de celulose. Outras experiências investigam a tolerância a extremos climáticos dessas árvores, além de alterações na qualidade da madeira.

Nenhuma grande indústria de produtos florestais, na verdade, fechou os olhos para os transgênicos. A Fibria, a maior produtora de celulose do mundo, também está nesse páreo, mas só no campo da pesquisa. A empresa concentra a sua artilharia tecnológica no melhoramento clássico, feito por meio do cruzamento de variedades. Ela tem 79 patentes de genes de eucalipto, sendo 26 concedidas e outras 53 em pedidos de análise. Em tese, esse banco de dados genético também poderia ser empregado na biotecnologia. “Ocorre que os nossos clientes aceitam que façamos estudos, mas não o plantio comercial de transgênicos”, diz Fernando Bertolucci, gerente-geral de Tecnologia da Fibria. “Eles precisam entender melhor como essa tecnologia funciona.”

A FuturaGene parte do princípio que isso acontecerá em breve. Como argumento complementar, usa um dado sempre eficaz: o da necessidade. Um estudo preparado pela ONG ambiental WWF indica que a demanda global por madeira vai triplicar até 2050, chegando a 10 bilhões de metros cúbicos por ano. A produtividade das florestas, nesse cenário, será crucial. Ainda assim, ninguém duvida, o debate será longo.

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epocanegocios.globo.com

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