Crise obriga famílias a retirarem fraldas descartáveis da cesta de compras
Vendas do produto recuaram 20,5% em 2016 e 7,8% no ano passado
A piauiense Joice Lopes, de 22 anos, é mãe de Maria Luiza, de 1 ano e 4 meses. Ela compra um pacote de 24 fraldas para a menina, a R$ 17, a cada duas semanas, priorizando o uso noturno e alguns momentos durante o dia. No restante do tempo, a pequena já veste calcinha. É situação bem diferente da que a vendedora da cidade de Luís Correia, a 365 quilômetros de Teresina (PI), experimentou quando Daniel Aquiles, seu filho mais velho e hoje com 4 anos, era bebê. Em 2014, o pacote de 24 fraldas era consumido em dois dias.
— Como era só um filho, a gente tinha mais condições para comprar fraldas descartáveis. Agora, com duas crianças, fica difícil. Maria Luiza só usa fraldas descartáveis para dormir, e não dá para todas as noites. Daniel usava muitas fraldas. Mas, agora, elas estão muito caras, e a renda caiu — conta Joice, que tem renda mensal de R$ 300, complementada com ajuda do ex-marido, com quem ainda divide a casa e o sustento dos filhos.
O relato de Joice explica em grande parte a queda nas vendas de fraldas descartáveis infantis no país nos dois últimos anos, principalmente em consequência da recessão. Em número de unidades comercializadas, o recuo foi de 20,5%, em 2016, e de 7,8%, em 2017, segundo dados da Kantar Worldpanel. Já em valor, houve diminuição de 15% e aumento de 1,6%, respectivamente. Caiu também a frequência de compra e o número de lares onde o produto está presente.
— Entre 2009 e 2014, o Brasil registrou grande crescimento no segmento de fraldas descartáveis infantis, puxado pelo ganho de renda da classe média, que passou a ter acesso a um produto de maior valor agregado. A indústria enxergou esse movimento, e os principais fabricantes, como P&G, Kimberly-Clark e Hypermarcas, fizeram investimentos em fábricas, inovação e expansão de portfólio. A recessão impôs um freio ao consumo — explica Roberto Vautier, especialista em varejo da AGR Consultores.
REDUÇÃO DA NATALIDADE
Com o desemprego e o aperto no orçamento familiar, as famílias reduziram despesas, o que explica a queda não apenas na quantidade comprada, mas na frequência de compra, a exemplo do que faz a piauiense Joice.
— Com a crise, muitas mulheres adiaram a maternidade. Mas houve também a epidemia de zika, que reduziu a natalidade em todo o pais, sobretudo no Norte e Nordeste, regiões onde o consumo de fraldas descartáveis infantis é mais forte — destaca o consultor.
Fernando Bueno, gerente de Pampers no Brasil, marca da P&G, afirma que a queda da natalidade impactou o segmento:
— A cesta de consumo da população brasileira vem passando por diversas mudanças ao longo dos anos, consequência da transformação dos hábitos de compra dos brasileiros. Nesse cenário, segundo dados da Nielsen, houve uma movimentação negativa no consumo de fraldas descartáveis, que pode ser atribuída à queda de natalidade, fator que vem sendo recorrente no Brasil.
Em 2014, ainda a reboque do ganho de renda no país, o Brasil chegou ao posto de terceiro maior mercado de fraldas infantis no mundo, somando US$ 1,81 bilhão em vendas, atrás apenas de China e Estados Unidos. De lá para cá, o mercado mundial avançou, enquanto o desempenho do segmento brasileiro foi desacelerando. Em 2015 e 2016, o país desceu à quarta posição, ultrapassado pelo Japão. No ano passado, caiu para sexto, após o México ter saltado à terceira colocação, à frente dos japoneses.
PREÇO AVANÇOU 10% AO ANO
Em 2017, as vendas de fraldas chegaram a US$ 1,99 bilhão, resultado 0,5% menor que o do ano anterior. Entre 2014 e 2016, o freio no ritmo de crescimento reflete o impacto da crise econômica, com taxas de expansão cada vez menores: de 11,9%, 6,5% e 3,5%, sucessivamente.
— A indústria precisou se reinventar. Alguns dos grandes fabricantes optaram por compensar a queda nas fraldas infantis ampliando a produção de itens de uso adulto. Com o envelhecimento da população, houve a oferta de uma vasta linha de produtos, com maior penetração nas classes mais altas — pondera Vautier.
Ainda assim, o preço médio das fraldas avançou 10% ao ano em 2016 e 2017. Isso aconteceu porque as marcas premium são as que têm recuado menos em vendas, explica a Kantar, e, mesmo com as promoções, elas têm preços acima da média.
— Nos dois últimos anos, as vendas de fraldas caíram entre 20% e 30%. As marcas premium também perderam muito. Nós fazemos promoções, mas não do tipo queima de estoque, porque nosso objetivo é manter o cliente frequentando nossas lojas — pondera Sérgio Leite, diretor comercial dos supermercados Mundial.
ECOLÓGICAS EM EXPANSÃO
Correndo por fora — e ganhando espaço no mercado — vêm as fraldas ecológicas. Elas são uma versão sustentável do antigo kit calça enxuta mais fralda de pano, mas oferecendo praticidade e tecnologia antivazamento. No Brasil já há ao menos três fabricantes de destaque: Dipano, Fralda Sequinha e Nós e o Davi. Todas avançam ancoradas pelo desejo das famílias de reduzirem a produção de lixo não reciclável — uma fralda descartável pode levar mais de 400 anos para se decompor — mas também pela questão do custo.
— A maior parte da nossa clientela vem pela questão ecológica. Mas é um produto que também atrai pela questão do custo menor e por não causar alergias nos bebês — explica Maria Cristina Duarte, sócia da Dipano, negócio que abriu com a irmã, Mônica Pina, em 2010.
Uma criança, diz Maria Cristina, usa, em média, seis mil fraldas entre nascimento e desfralde, por volta dos 2 anos e 6 meses. Pelos cálculos da Dipano, o gasto com fralda em um ano beira R$ 3 mil. Um kit com 20 fraldas ecológicas — suficiente do nascimento (para bebês a partir de 3,5 quilos) ao desfralde — custa R$ 1.200.
— Elas são feitas de tecido especial, lavável. E a calça onde a fralda é colocada permite adequá-la ao tamanho do bebê à medida em que ele vai crescendo — explica Maria Cristina.
Colaborou Efrém Ribeiro, especial para O GLOBO
Fonte: O Globo