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Nada é por acaso no grande colosso industrial que os investimentos dos três últimos anos geraram na área de 130 hectares, à beira do lago Guaíba. Uma vista aérea do complexo da Celulose Riograndense faz jus ao ditado: uma imagem vale por mil palavras. E o que não está expresso ou contido na cena é o que transforma o projeto em um caso único na matriz produtiva gaúcha. Como nenhum outro, a planta conecta logística multifacetada para ofertar ao mundo o que os empreendedores apostam ser um dos trunfos no confronto de mercado, em que encomendas e clientes se conquista em frações de dólares.
O caderno Logística do Jornal do Comércio mergulhou nos detalhes que foram milimetricamente dimensionados, projetados e que estão sendo montados como um quebra-cabeça gigante. No final, quando a cidade da celulose estiver jorrando quatro vezes mais mercadoria, a engrenagem estará parecida com a de um lego, o jogo de montar. A data que dará a partida à nova capacidade – de alcançar 1,8 milhão de toneladas (com atual e a nova estrutura) – é 3 de maio. Nos seis meses seguintes, os gestores da unidade esperam atingir a plena produção. É o que se chama de curva de aceleração. “O normal seria atingir em oito meses, mas vamos chegar aos seis”, assegura o diretor-presidente da Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes.
A comparação se explica, pois a operação tem peças ajustadas a cada etapa, pensadas para não gerar passivos onde não for necessário. Das florestas de eucalipto, principal matéria-prima da fábrica, aos berços portuários por onde escoarão o produto desejado por chineses, europeus e outros povos, a estratégia de transporte e o controle (onde tecnologia e comunicações andam sintonizadas feito almas-gêmeas) de cada etapa são vitais.
O projeto não foi pensado da noite para o dia. Foi desenhado, estudado, confrontado com outros modelos e apurado (custos, fornecedores, funcionamento) desde 2006. Foi confirmado em 2010 pelos investidores chilenos da CMPC, que compraram a unidade em 2009.
O diretor-presidente admite, com a tarefa quase concluída – o cronograma de execução do complexo está 90% cumprido -, que mais locais disputaram o projeto. “Cogitamos inúmeros lugares, no Brasil, no Estado e até no Uruguai, onde cheguei a fazer sobrevoos de helicóptero”, revela o executivo. Guaíba venceu a disputa. “Havia bom potencial na região, onde fica a unidade atual, o que aumentaria a competitividade do complexo e a solução logística para exportar celulose”, lista Nunes. Também foram mais de 500 reuniões de trabalho.
O executivo costuma citar o impacto socioambiental como crucial, e muitas soluções de transporte para 6 milhões de toneladas de madeira (nova necessidade de matéria-prima) observam este quesito. Para isso, caminhões não poderão jamais formar comboio. Empresas contratadas para fazer essa etapa da cadeia de produção estão devidamente orientadas e treinam seus motoristas. Uma estrada exclusiva para o complexo está sendo construída e conectará o polo à BR-116. Na etapa final, o desenho do fluxo de carregamento de celulose em barcaças mudou para agilizar o embarque. Enquanto se desenrolam os arranjos logísticos, a planta terá neste mês uma parada de 22 dias para fazer a integração do controle da operação. “Começaremos a fazer os testes da expansão”, avisa Otemar Alencastro dos Santos, diretor do projeto.
A hidrovia de Guaíba até o Porto do Rio Grande é o canal de escoamento, e a aposta é no fluxo inverso, quando as embarcações que chegam a levar até 5 mil toneladas do insumo poderão cortar as águas carregadas de toras de eucalipto.
A cidade da celulose
1. Chegada da madeira
Antes de aportar no site onde será transformada em produto final (celulose), as toras de eucalipto são transportadas por caminhão a partir de plantações em 59 municípios situados à Oeste de Guaíba, em direção à Fronteira, que integram o ativo da operação Guaíba. São áreas próprias e de terceiros com 127 mil hectares de eucalipto. Outros 40 mil hectares de florestas estão no Sul (projeto Losango). O total a ser transportado após a expansão alcançará cerca de 6 milhões de toneladas de madeira. Diariamente, o tráfego se elevará de 50 caminhões (produção até fim de abril de 450 mil toneladas de celulose, sendo 60 mil transformadas em papel) para 250 veículos. Os veículos são modelos que usam combustível menos poluente (diesel S-10) e percorrem 17 mil quilômetros (sendo apenas 5 mil públicos).
2. Check-in de cargas
Cada um dos 250 caminhões que vão aportar diariamente na indústria vindos das propriedades situadas a Oeste do complexo e dos 50 oriundos do Sul (caso a alternativa da hidrovia não seja efetivada em 2016) passarão por um portal eletrônico, onde fica a balança para certificar o peso de 34 a 36 toneladas de madeira por unidade.
3. Pátio de madeira
Área onde ficam depositadas as toras de eucalipto antes de começar o processamento. O estoque deve suprir sete dias de demanda da fábrica. No grande canteiro, quatro guindastes com gruas elétricas fazem a coleta da matéria-prima, levada depois por esteiras ao picador. Os cavacos ficam em uma grande arena, cercada com uma tela verde gigante, onde aspersores geram uma névoa de água para neutralizar as partículas geradas no processo.
4. Sala de controle
Unidade onde ficam terminais de computadores para monitorar toda a cadeia de produção, desde a floresta (com plantio, manejo das plantas e cortes) Para a nova planta, cada tora terá seis metros de comprimento, em vez de três metros. Há hoje 15 torres de monitoramento com câmeras munidas de transmissão por rádio, que cobrem as 720 fazendas de plantio (toda a base florestal da CMPC no Estado), um total de 167 mil hectares de florestas.
5. Embarque de celulose
O setor apresenta uma das mudanças mais importantes na logística do complexo na etapa final de despacho dos fardos de celulose. A área onde fica armazenado o produto (capacidade estática de 45,5 mil toneladas) está conectada à garagem das barcaças, no berço de embarque, estrutura que foi construída na expansão e é municiada de colunas que darão sustentação ao equipamento que buscará lotes de produtos na área de armazenagem e colocará dentro das barcaças. A velocidade de embarque será multiplicada por quatro. O ciclo de tempo entre o embarque da carga e a chegada em Rio Grande é estimado em 45 horas. Quatro barcaças vão transportar carga a cada três dias por 750 quilômetros de hidrovia, descendo de Guaíba para Rio Grande. Três delas vão transportar 4,7 mil toneladas cada, e a quarta (maior) levará até 5,4 mil toneladas. A operação de embarque ocorre no berço Norte da dársena. O berço Sul ficará para receber a carga de madeira vinda do porto de Pelotas, dentro do plano de usar a hidrovia para trazer toras de eucalipto do projeto Losando. No porto novo, em Rio Grande, os fardos são colocados em contêineres ou navio portão (break bulk).
Raio-x da operação
O que: complexo da Celulose Riograndense
Investimento: R$ 5 bilhões (mais de R$ 2 bilhões de contratos com empresas gaúchas).
Produção: 1,8 milhão de toneladas de celulose por ano (hoje 390 mil são exportadas e 60 mil viram papel).
Geração de ICMS: R$ 102 milhões (construção da ampliação) e R$ 1,4 bilhão (operação).
Empregos: 7 mil diretos e 21 mil indiretos (obra), 4,1 mil diretos e 17 mil indiretos (operação futura). Atualmente, são 2,8 mil diretos e 1 mil indiretos.
Ativos: 323 mil hectares (ha) em 720 propriedades situadas na região Central, Fronteira-Oeste e Sul do Estado. Desse total, 167 mil ha são áreas de reflorestamento de eucalipto para produção de celulose e papel em Guaíba.
Mercado: o papel abastece o mercado brasileiro e a celulose é destinada à exportação, principalmente à China.
Complexo depende de facilidades em portos e hidrovia
A hidrovia é imprescindível para a nova capacidade produtiva e de mercado da Celulose Riograndense. A projeção da empresa é gerar divisas de R$ 1,4 bilhão, com origem em mais de 90% de exportação (cerca de 1,8 milhão de toneladas de celulose). Essa produção anual, que será atingida em 2016, será escoada pela água do berço (dársena) Norte do porto privado no complexo em Guaíba para o porto novo do Porto do Rio Grande. Mas na estratégia da companhia está também transportar madeira, vinda do Sul, a partir do porto de Pelotas, administrado pela Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), o que reduzirá custos e o impacto para rodovias e comunidades, segundo a direção da empresa.
Nas duas frentes logísticas, há ajustes na estrutura que dependem de negociações sobre o porte da operação e obras do Estado e da União. Em Rio Grande, a empresa espera obter uma área maior para armazenagem no porto público. A celulose, que hoje responde por 15,5% da movimentação anual da estrutura, elevará a proporção a mais de 40%, segundo estimativa do diretor-presidente da fábrica, Walter Lídio Nunes. O projeto original apontava a construção de um porto privado em São José do Norte, com área já adquirida pela celulose. O plano foi substituído pela ampliação da área e capacidade de embarque no porto novo.
Sobre a negociação de mais espaço de armazenagem, a Superintendência do Porto do Rio Grande reconheceu, em nota, a magnitude do projeto e a importância logística que o porto assume. “O superintendente, Janir Branco, e a diretoria estão empenhados em buscar uma solução que viabilize as atividades da empresa”, afirmou o diretor técnico, Darci Antônio Tartari. Nunes também espera que seja efetivada a dragagem de manutenção, para permitir que navios de maior porte (336 a 370 metros de comprimento) possam atracar, o que simplificaria a operação atual, que implica em levar a carga de celulose até a área dos molhes, onde ocorre a transferência a embarcações de maior porte.
A medida depende de contratação pelo governo federal e envolve R$ 160 milhões, reservados no PAC. Nunes cita que, na logística atual, há maior tempo de uso do porto pela empresa devido ao transbordo a um navio maior, o que restringe a disponibilidade a outras cargas. “Isso reduz a eficiência de todos”, resume o executivo. Em Pelotas, a movimentação de madeira para Guaíba demarcará uma nova fronteira de transporte, apontou o diretor-superintendente da SPH, Renato Luiz de Moura. “Será a redenção do porto de Pelotas”, opina Moura.
A celulose deve usar duas áreas para armazenar madeira e busca anuência da Antaq para operar em um espaço do terminal, às margens do canal de São Gonçalo. Mas serão decisivas ainda as obras de acesso rodoviário da BR-392. Hoje, é preciso percorrer a área urbana, o que está descartado no plano da companhia devido ao impacto à comunidade. Segundo Moura, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Tranportes (Dnit) analisa federalizar o acesso e licitar a obra.
Em 2014, segundo a SPH, o porto pelotense movimentou 396,2 mil toneladas. Só com a madeira serão 1,2 milhão de toneladas ao ano. A Superintendência de Portos e Hidrovias aposta que o uso do potencial de despacho de Pelotas gerará receita de cerca de R$ 1,5 milhão apenas com a arrecadação da chamada tarifa de acesso hidroviário. Hoje, a região se resume ao transporte de arroz, clinquer e fertilizante. Já o terminal de Guaíba, que utiliza a hidrovia principal de acesso ao porto de Porto Alegre e terminais do Sudeste, mantida pela SPH, deve ampliar para R$ 143 mil. A nova produção em Guaíba também transformará a capacidade da hidrovia nas proximidades do porto de Porto Alegre. No ano passado, o porto público na Capital registrou 1 milhão de toneladas. O total movimentado na hidrovia da Bacia do Sudeste em 2014 foi de 5 milhões.
Demanda move investimentos de operadores de transporte
Da estrada à água, o complexo da Celulose Riograndense coloca em marcha investimentos em maior estrutura de transporte. Os aportes privados de prestadores de serviços, entre empresas locais e de outros estados, são aplicados em compra de caminhões, encomenda de barcaças, muita tecnologia de monitoramento embarcada, contratação de mão de obra e treinamento de quem vai estar na linha de frente do transporte, da estrada à hidrovia.
Os 80 motoristas da empresa Scapini, 25% do quadro dessa função na operação da transportadora, que conduzirão os caminhões com madeira para dentro do complexo estão sendo preparados e “vacinados” de que não será permitida a formação de comboio em meio ao fluxo total de 200 caminhões por dia. Além da Scapini, que colocará 45 veículos na logística (15 novos, com investimento de R$ 8 milhões), mais três empresas compõem a frota total que transportará em um ano cerca de 4,3 milhões de toneladas de madeira das fazendas no Centro e Fronteira-Oeste. A frota transitará por 17 mil quilômetros de estradas, apenas 5 mil públicos – entre rodovias federais, estaduais e vicinais – municipais (entre pavimentadas e maioria estrada de chão). A maior malha recorta propriedades onde estão as florestas que se transformarão em celulose (na indústria).
O diretor-presidente da transportadora, Valmor Scapini, resume o que está em jogo quando se trata de cumprir o plano traçado pela cliente: “Estamos nos preparando adequadamente para que não sejamos um problema, mas uma solução”. Na frota, há exigência de veículos com menor emissão de poluentes. Os motoristas (o dobro do que já se envolvia no transporte) têm de ter perfil diferenciado, explica Scapini. “Não é o mesmo profissional que faz longa distância. Aqui, ele enfrenta estrada de chão, chuva e sol”, resume o diretor-presidente.
Até 25% do percurso será em vias sem asfalto. Os veículos operam com GPS, que servirá para calibrar as distâncias entre outros caminhões. Também há teclado a bordo para o motorista indicar as posições. Além da sala de controle da celulose, que tudo vê, a Scapini tem sua própria central de monitoramento. Outra exigência para garantir segurança: cada caminhão fica parado dois dias a cada mês para manutenção. Na lida, o veículo roda 24 horas do dia.
Na outra ponta do complexo, estarão as barcaças da Aliança. Com a nova dimensão da produção, em vez de duas, serão quatro, uma delas a Germano Becker, que é a maior em operação na América do Sul. O diretor financeiro explica que os equipamentos envolvem investimento de R$ 80 milhões, supridos por linhas de financiamento de bancos de fomento, como Bndes e BRDE. Há dois anos, a empresa passou a renovar a frota. Mas o diretor operacional da Aliança, Ático Remigio Scherer, observa que, há mais de seis anos, a corporação estava se preparando para o novo fluxo de cargas. O envio de 1,75 milhão de toneladas de celulose (quatro vezes mais do que é embarcado no fluxo atual) multiplicará, na mesma medida, o volume de carga para as barcaças da Aliança.
Três delas estão prontas para dar conta da demanda. A quarta aguarda liberação para começar a ser confeccionada pela Intecnial, em Erechim, para depois ser montada em Triunfo. A Germano Becker, com 106 metros de comprimento e com autopropulsão, está entre as maiores do circuito de hidrovias na América do Sul. Scherer descreve que a máquina tem tecnologia para vigilância em tempo real, com uso de câmeras de vídeo. O efetivo total da tripulação embarcada e em terra alcançará 80 pessoas com as novas operações, um quarto dos empregos da Aliança. A cada três dias, serão feitos embarques. Além de manobrar o transporte no caminho ao porto, Scherer também disputará o fluxo inverso, para trazer madeira a partir do Porto de Pelotas.