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Entre marcas e pessoas: a nova carreira é plural

Por Regiane Herchcovitch

Quando comecei minha jornada no mundo corporativo, falar sobre marca pessoal parecia algo distante, quase um luxo reservado a celebridades. Eu estava imersa em outro universo, o das marcas que moram nas prateleiras, que fazem parte do cotidiano, que precisam ser vistas, lembradas e, acima de tudo, sentidas.

Trabalhar em empresas de bens de consumo, especialmente nos segmentos de Tissue e Personal Care, foi uma escola de vida. Aprendi que cada detalhe importa: o papel precisa ser macio, branquinho e sem cheiro, transmitindo pureza e conforto; a fralda precisa inspirar confiança nos pais, porque carrega o que há de mais valioso: o bem-estar de um bebê. Por trás de cada produto existe uma promessa silenciosa: a de estar presente na intimidade do cotidiano, onde o cuidado acontece de forma discreta e genuinamente humana.

Essas marcas me ensinaram o valor da agilidade, da observação do consumidor, da análise de dados e da capilaridade de ideias. Aprendi a importância de ouvir o mercado com atenção, traduzir sinais sutis em insights e transformar números em narrativas que conectam. E, sem perceber, todo esse aprendizado começou a forjar algo dentro de mim: uma consciência sobre a minha própria marca.

Com o tempo, entendi que todos nós somos, e sempre fomos, marcas em movimento. O tempo em que tínhamos uma única carreira, linear e previsível, está ficando para trás. O futuro pertence a quem entende que ter múltiplas carreiras ao longo da vida não é falta de foco, é expansão.

Na minha própria trajetória, vivi isso intensamente. Já fui e sou atriz de teatro, executiva em empresas globais, mentora de lideranças, psicóloga, professora convidada e empreendedora. Cada papel trouxe aprendizados diferentes, mas em todos eles, a minha marca pessoal se manteve: o olhar humano sobre os processos, a crença no diálogo como transformação e o desejo constante de gerar sentido. Mudaram os contextos, mas não a coerência do propósito.

Estamos vivendo uma era em que o profissional precisa cuidar de si como uma marca cuida de seus produtos: com propósito, clareza e sensibilidade. É preciso saber o que entregamos, quem queremos impactar e quais valores sustentam nossas decisões. E, como em toda boa estratégia de branding, não basta comunicar, é preciso ser.

Hoje, percebo que o verdadeiro poder de uma marca, seja corporativa ou pessoal, está em permanecer reconhecível, mesmo quando você não está presente. É quando alguém descreve seu trabalho, sua postura ou suas decisões e, sem perceber, fala de você com respeito e coerência. Isso é reputação. É a marca que fica quando a presença física vai embora.

Construir uma marca pessoal não é sobre autopromoção, é sobre autoconhecimento. É sobre reconhecer o que é essencial em nós e permitir que esse núcleo apareça em cada papel que desempenhamos. Não se trata de moldar-se ao ambiente, mas de dialogar com ele sem perder a própria forma.

As empresas de bens de consumo me ensinaram a olhar para o consumidor. A vida me ensinou a olhar para dentro. E hoje acredito, com a serenidade de quem viu muitos ciclos começarem, se expandirem e terminarem, que se pensássemos a carreira do futuro em formas geométricas, ela seria circular e não uma linha reta. E talvez o grande desafio de todos nós, daqui para a frente, seja esse: cuidar da própria trajetória com o mesmo zelo com que cuidamos das marcas que construímos para o mundo.

A carreira do futuro é circular: feita de retornos, pausas e recomeços. Porque o verdadeiro avanço não é linear, é espiralado: cada volta nos leva um pouco mais adiante.

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Regiane Herchcovitch

Regiane é psicóloga com MBA Executivo pela FGV e International MBA pela University of California – Irvine. Com mais de 25 anos de experiência em Recursos Humanos, atuou em posições de liderança em empresas globais como Softys, Mars e Monsanto. Sócia-fundadora da RHvitch – Alquimia Humana para Negócios que Prosperam, dedica-se a apoiar executivos e organizações na construção de culturas de alta performance com sentido e autenticidade.
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